18 outubro, 2012

Alissa Tulipa


Pela janela do apartamento do penúltimo andar ela olhava as inúmeras luzes da cidade e os carros indo e vindo. Poderia ir ao menos na lanchonete da praça que fica a menos de 200 metros, comer seu famoso cheesecake e bater papo com alguém, mas solidão, pensava, solidão é sua grande companhia. Faz frio, ela prepara seu rotineiro café da noite, esquenta torradas e vai para a poltrona de camurça vermelha da sala, sua preferida. O telefone toca:
- Alô?
- Oi Alissa, a amante de tulipas.
- Oi John. Quanto tempo.
- Pois é, quanto tempo. Estava arrumando umas coisas aqui e achei uma foto nossa, aquela que tiramos naquela tarde ensolarada lá no Parque do Bom Menino, lembras?
- Lembro sim. Lembro que encontramos uma moça vendendo tulipas artificiais e...
- E você disse que eram lindas e o quanto gostaria que elas ali fossem naturais, para tocá-las, cuidá-las.
- É... você até comprou umas pra mim, me convencendo que pelo menos elas tinham a vantagem de que nunca iam morrer. 
- Verdade, ainda as têm?
- Sim, sim, estou olhando para elas agora, no vasinho da estante.
- Que bom. Não é por nada não, mas estou te achando tão, tão desanimada, triste. Aconteceu alguma coisa?
- Ando cansada, muito cansada.
- Estudando, trabalhando demais?
- Também, mas não é só isso. Ando cansada do vazio das pessoas, do mundo. Ando cansada da liquidez de muitos. Depois que você se foi, comecei a enxergar os arredores. Tudo muito fútil, muito artificial, as pessoas vivem focadas em coisas desinteressantes demais. Tudo é rótulo. Acho que na verdade sempre foi assim, mas com você era tudo tão mágico que eu nem percebia o mundo lá fora.
É triste, muito triste. Sou triste. Queria mesmo ser uma tulipa, daquelas bem vermelhas, para representar o amor, o amor verdadeiro, cuidadoso, bonito. Ando desanimada sim meu amigo, porque aqui tudo é ausência. Por isso fico só com meus poucos amigos, não por me achar superior ou auto-suficiente, você sabe que não sou dessas coisas, mas simplesmente por não querer me deixar corromper pela ausência de valores dos muitos que estão por aí. Às vezes, não raramente, até prefiro ficar só, eles, os meus amigos, quase sempre não me entendem, não me aceitam. Não os julgo, reconheço minha não-tradução. Mas e você John? Conte-me como andas. 
- (Silêncio).
- John? John, você está aí?
Toca o despertador, são 5:15 da manhã. Alissa faz o que é de costume, levanta-banho-café-se arruma-sai. Mais um dia de serviço. Mais um dia cinza como qualquer outro. As tulipas continuam lá na estante. Mas não houve ligação, lembranças, conversa, importância, desabafo.
Tudo não passara de um sonho. 

6 comentários:

  1. Olá Emanuelle...

    Aprendi por experiência própria que nunca um sonho, é só um sonho... Há qualquer coisa de realidade, mesmo que num delírio de febre sentida.

    Imagina, como será o sono da semente no fundo da terra, enquanto rebenta por dentro o "sonho" de tulipa? Alissa Tulipa, não é mesmo...

    Agradeço as gentis palavras, as considerações, as observações, a visita, o se expressar... lá no meu solitário espaço.

    Bem, não há link de seguidores por lá.
    É um Labirinto.
    Poix Poix.

    Mas tanto os corredores, quanto o Fauno, e Dédalo, agradecem os fios de Ariadne da palavra que uma visita sempre deixa-nos...

    Um ENORME sorriso
    :)

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  2. Oi, Emanuelle, bom dia!!
    Curiosa viagem de Alissa... Muito parecida com nossas curiosas viagens. As tulipas realmente foram recebidas, não foram sonho. Mas eram artificiais, não eram reais. O John com quem ela teve a conversa era real, mas a conversa mesmo não foi, foi um sonho... A tristeza dela era a de um sonho, mas simplesmente traduzia uma tristeza e uma solidão bem reais...
    Ah, como isso acontece conosco! Ah, como a realidade se mistura em nossos sonhos, ou eles na nossa realidade, a gente às vezes se perde, e como demora a se encontrar no lado certo! Ah, como tem coisas que a gente sacode a cabeça, pedindo, pedindo, pedindo para acordar... – mas não acorda! Ah, como tem beijos reais de que a gente acorda! Ah, como tem abraços infinitos de que a gente acorda! Ah, como tem outros momentos, outros beijos e outros abraços, reais, bem reais, dos quais a gente se fala: não é sonho, não é sonho, não é sonho! Que grande mistura nos causa a convivência de mente e coração num só corpo, de razão e emoção numa só alma!
    Curiosas, nossas viagens...
    Mas, não reclamemos.. Continuemos sonhando e vivendo, vivendo e sonhando... Porque, no fundo, o melhor é que cem pesadelos se desmancham pelo prazer de um só sonho, e cem sonhos não realizados são esquecidos pela realização de tão somente um.
    Um beijo carinhoso
    Doces sonhos
    Lello

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  3. Humm interessante!
    Parecia-me que estava a ler o meu Caio, isso é tão bom!
    Parabéns Emanuelle, Parabéns Pela escrita!

    Xero, ânimo e esperança sempre!

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  4. Bello Relato en que los Sueños son Protagonistas al igual que en la Vida misma.
    La Vida es Sueño y los Sueños... Vida son.
    Un abrazo.

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  5. Vim te desejar um ótimo final de semana! Que DEus te abençoe grandemente e que a semana que vai se iniciar seja cheia de vitórias!

    Beijos!

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  6. Oi Manu, que lindo.
    Tenha um bom domingo e uma excelente semana, beijos.

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"Venha quando quiser, ligue, chame, escreva - tem espaço na casa e no coração, só não se perca de mim". CFA